A semana 13 por Patricia Galleto
Fim de ano se aproximando, e também nossa preparação para a
pausa (retornaremos à sala na segunda quinzena de janeiro). Na nossa última
semana de ensaio e pesquisa, rolou aquele “passadão” das duas cenas que temos
até agora – uma criada a partir de Hamlet e outra de Antígona. O fato
inesperado, entretanto, foi a presença de uma plateia! Estavam presentes
Gabriela, que é uma das donas da Cena Escola de Dança, onde desenvolvemos este
projeto (aliás, muito obrigada, Cena!), seu marido e seus dois filhos, que são
duas crianças. Eles estavam por ali fazendo outra atividade de produção da
escola e pediram pra assistir (os dois meninos, filhos da Gabi, é que na
verdade demonstraram o primeiro interesse).
A presença de público, por mais íntimo que seja, sempre dá
um ar diferente aos ensaios. Quando se trata de uma palhaça, isso modifica
ainda mais o “acontecimento” da cena, uma vez que palhaços, por natureza, lidam
diretamente com quem assiste, seja interagindo com eles por meio de ações e
falas, seja através das pontes que estabelecem com eles pelo olhar que “conta”
a história e comenta.
E a presença daquelas quatro pessoas me levou a lugares
muito interessantes de experimentação. Um deles se deu porque eles riram
bastante, especialmente as crianças, para a minha surpresa (já que tratamos de
mortes nas cenas) – e aí me pergunto como receber o riso, por exemplo, quando o
foco da ação está em entediar-se até inclinar o corpo, como na cena do guarda de
Antígona? Quando interagir mais ou menos com esse riso, diante de uma
dramaturgia já estabelecida? Quais “brechas” nessa dramaturgia, ou nesse
roteiro de ações, explorar? Deixo aqui as perguntas, porque elas me parecem
mais interessantes do que as respostas, se é que existem respostas fixas.
Todas elas parecem se relacionar, de algum forma, com o
tempo das coisas, sendo este tempo percebido e “manipulado” no momento da
apresentação, o tal do “timing”. Alguma sensibilidade e (bastante) experiência
vão afinando esse domínio de quando estender mais ou menos as cenas, conforme o
público presente e o contexto da apresentação. Essa elasticidade do tempo, por
sua vez, também parece contribuir para que cada apresentação seja viva,
vivíssima, uma vez que existe nisso uma dose de imprevisível, mesmo que
construamos uma dramaturgia para o trabalho. O risco do fracasso é latente, e
colocar-se nesse risco, ainda que “controlado” em alguma instância, à beira do
precipício, torna a apresentação pulsante, viva! Bom, essas são minhas
impressões. Há outras, certamente.
Nessa história de risco, vale ainda sublinhar um ponto sobre
o qual eu e Dinho conversamos nesse último encontro do ano: o fracasso real. E
aqui não me refiro ao fracasso que é utilizado pelo próprio palhaço ainda em
cena como um excelente trampolim para o riso. Falamos do fracasso fracasso. O
palhaço vai se apresentar na rua, nada funciona, é engolido pelo entorno, por
exemplo. Em se tratando de palhaças, mais umas camadas extras de risco de serem
engolidas, de diversas maneiras, permeadas por um machismo estrutural. Estamos
cientes de que isso pode acontecer? Sabemos lidar com isso quando isso
acontece? Estar pronta para o risco também é aprender a atravessar o fracasso
de uma piada que não funciona, de não prender a atenção da plateia, de não ter
plateia, de perder o “timing”. Assim também é estar viva. A sabedoria profunda
de Guimarães Rosa sintetiza com precisão: viver é muito perigoso.
Com essa reflexão de cartão de Natal duvidoso, nos despedimos temporariamente. Prontos para o fim e o recomeço.