08 novembro 2023

Meu deus do céu, que inferno! – o desfecho do trabalho com Hamlet

A semana 5 por Patricia Galleto

Ser ou não ser? A questão é o que fazer com a caveira do Yorick, a última a ser julgada por Gina neste “departamento” do Juízo Final! Na peça de Shakespeare, o que sabemos é que Yorick é um falecido bobo da corte. Dentre os crânios desenterrados pelos coveiros sobressai o deste palhaço, que é lembrado com afeto por Hamlet (e com certa repulsa pelos próprios coveiros, que se referem a ele como “maluco filho da puta” e “palhaço louco”).

Mesa e objetos utilizados na
experimentação do Juízo Final

Se, na peça, Yorick aparece como uma figura conhecida de Hamlet, em nosso experimento, a palhaça o reconhece como colega de profissão, um amigo antigo – no nosso caso, a ideia é que sua caveira possua um nariz de palhaço, diferenciando-se das demais. Nesse encontro, experimentamos um diálogo improvisado, para ver o que dali poderia surgir. E então registramos falas do tipo: “Quase não te reconheci, você está mudado!”; “Você não estava trabalhando lá na Dinamarca como bobo do rei?”; “Ah, você perdeu graça...”; “Eu estou bem, estou viva, né?!”, entre outras.

A partir desse levantamento, elaboramos um roteiro que estrutura mais ou menos essa conversa. No entanto, não sabíamos ainda o que fazer no final dela – que seria o final desta cena e do nosso trabalho com o Hamlet. Diante do incerto, Dinho orienta: “Resolva, com a palhaça, o que fazer com o Yorick”. Mais uma vez, o absoluto desconhecido na improvisação. O fato é que já nem me lembro como foi que chegamos a um desfecho, já que meu papo com Dinho durante o processo muitas vezes faz a coisa ser uma só, sem uma nítida definição de quem propôs o quê.

Assim, temos que a palhaça se encontra na dúvida sobre para onde mandar Yorick – se para o Céu ou para o Inferno. O conflito estabelecido pela palhaça, aqui, de alguma forma nos remete ao conflito metafísico presente em Hamlet. Seguindo essa mesma linha, há uma espécie de conflito da palhaça diante de si mesma, ao se colocar em relação à caveira de Yorick, também palhaço. Por outro lado, esse tipo de conflito não perdura ou não transparece tanto aos olhos da palhaça, que, ao contrário disso, lida com as coisas do mundo de maneira prática, com aquilo que se apresenta para ela naquele preciso momento através de uma ação concreta, física, e não psicológica. Há uma urgência (que não é pressa, Patricia!) em provocar um novo acontecimento.

A partir da dúvida da palhaça, surge a frase que marca esse momento de não saber o que fazer: “Meu deus do céu, que inferno!”. A saída é justamente dar um chute no conflito possivelmente metafísico e convidar a caveira do Yorick para um café; e café, para Gina, pode ser sempre outra coisa mais alcoólica. Decidimos finalizar nossa experimentação com Hamlet assim! Mesmo com o desfecho elaborado, ainda com muita coisa para ajustar, se formos pensar na elaboração de um número. Mas, como disse Dinho, temos aí um arcabouço, um chão por onde a palhaça anda. Não é demais ressaltar que ela ainda precisa andar com mais protagonismo, com mais estado e presença, coisa que permanece sendo uma dificuldade para mim neste trabalho.



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(Ainda não) é o fim!