19 fevereiro 2024

Nada a fazer - senão garantir um troco

 
A semana 16 por Fernando Marques

“Nada a fazer” é a emblemática primeira fala de Esperando Godot e se repetirá algumas vezes ao longo do texto. Ela exprime bem a situação dos personagens e, de alguma forma, sintetiza um dos aspectos fortes da peça. Vladimir e Estragon estão presos à espera, nada podem fazer além de esperar. E isso faz da peça, em alguma medida, uma peça do não acontecimento.

Nesse sentido, a peça contraria a noção etimológica de drama, termo que, vindo do grego, significa ação ou ato. E Aristóteles dizia que o drama – o texto dramático – imitava não o ser humano, mas suas ações. É bem verdade que, em dramaturgia e em cena, o próprio diálogo pode configurar ação – a interação entre personagens, os embates que daí surgem, as tramas que se formam pelas falas, tudo isso pode revelar ação e, ao longo da história, isso será mais ou menos privilegiado.

E, obviamente, os personagens que esperam Godot dialogam entre si e, portanto, agem. Mas é uma ação vazia, é um ciclo repetitivo em que tudo o que acontece é: nada. Mesmo a tentativa de suicídio dos personagens é frustrada, dando a perspectiva de que não há mesmo como escapar da repetição, do não acontecimento. Aliás, o primeiro e o segundo ato terminam com um personagem chamando o outro para ir embora e, apesar da concordância do companheiro, nenhum dos dois se move. Eles permanecem ali e, também contrariando o teatro clássico, ao final da peça, a crise ou o conflito não se resolve. Não há resolução, não há resposta, não há ordem a ser (re)estabelecida.

Bem, esses três parágrafos sobre o não acontecimento no Godot estão aí pra eu dizer agora que esse é, então, um aspecto que passamos a trabalhar. Eu já tinha dito que partimos de algumas rubricas do texto que indicavam a relação dos personagens com peças do vestuário tinha indicado também que a Patricia tinha inserido uma moeda na cena; ela, por sua vez, já disse que fomos para o trabalho, sem o nariz a princípio, de construção de uma partitura corporal com o casaco para, em seguida, fazer as costuras da cena e a construção de sentidos.

Pois bem, passamos por aí e a coisa andou bem, eu acho. A moeda vai sendo, ao longo da cena, achada e perdida nas peças de vestuário e quando a procura, a Gina vai estabelecendo diferentes relações, descobrindo coisas que não conhecia, se atrapalhando e se resolvendo (sempre à sua maneira, é claro). Nesse sentido, dá pra dizer que a moeda – a sua busca, na verdade – tem sido o que conduz o nosso “nada a fazer”. É como quem diz: nada a fazer, ok; mas deixa eu garantir meu troco. Porque, como já disse Brecht, primeiro o estômago.

Agora, é hora de introduzir o chapéu – compramos um pela internet, precisamos que ele chegue pra irmos pra experimentação – e a espera. Isso porque decidimos que, enquanto as coisas acontecem, Gina espera por alguém, por seu Godot. Mas não uma espera passiva e contemplativa. Então, é isto: esperar o chapéu, introduzir a espera e ir pensando em como se encerra a cena sem que quebremos o ciclo do não acontecimento. Vejamos.

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(Ainda não) é o fim!