15 abril 2024

(Ainda não) é o fim!

 
A semana 22 por Fernando Marques

Esta semana chegamos ao fim da última cena – e dito assim, isso talvez dê uma impressão que não é real, de que a coisa foi caminhando naturalmente para seu final, de forma pacífica e certeira, proporcionando-nos a plácida sensação de dever cumprido. Mas não.

Primeiro porque tínhamos nos metido no labirinto do qual a Patricia já tratou no post anterior, tendo chegado ao momento melancólico da constatação da Gina sobre a própria solidão e não sabíamos como sair dali. Lembro de chegarmos, na semana anterior, ao final do ensaio com a cena neste momento (da Gina só) e a Patricia perguntar se eu já tinha alguma noção de para onde iríamos a partir dali. Nenhuma ideia, eu respondi umas duas vezes. Seja como for, a coisa seguiu, a Gina adiou a morte e nós continuamos. Ainda não era o fim.

Então, supúnhamos que tínhamos tudo encaminhado, todas as cenas levantadas, era só questão de repetir, limpar, ajustar etc. Mas acontece que Carla esteve na sala de ensaio e assistiu a uma passada da cena que julgávamos resolvida. E quando, ao final, teceu comentários, a leitura que tinha feito da cena era algo que estava a quilômetros de distância do que pretendíamos. Para que se tenha uma ideia, eu e Patricia achávamos que tínhamos construído algo em que a Gina se desviava da foice do fim e seguia viva, e Carla nos contava que tinha visto a palhaça no pós-morte. Ok, a gente sabe que não tem controle – e nem quer ter – sobre as leituras que as pessoas fazem do que a gente cria. Mas, como diz a Gina em dado momento da cena, tudo tem limites.

No caso, o limite diz mais respeito à gente do que à espectadora. Ela – e, por extensão, qualquer outra pessoa em sua posição – continuará sempre fazendo uma leitura sobre a qual não temos controle; mas temos possibilidades em relação ao que construímos em cena. E na nossa cena, havia pontas soltas que não desejávamos. É bem verdade que Carla passou o ensaio fotografando a Gina em ação (precisamos desse tipo de registro) e eu acredito que ela tivesse mais atenção na fotografia da cena que na cena em si. E acho mesmo que a leitura que ela fez teve também a ver com isso – mas esse tipo de aposta é irrelevante e, quem sabe, a tentativa até desonesta do autor de jogar à espectadora a responsabilidade sobre seu trabalho. Então, retomamos a cena e fomos ajeitar o que nos parecia inapropriado. Ainda não era o fim.

E agora, sim, temos todas as cenas levantadas e o trabalho bem encaminhado. A bem da verdade, se considerarmos o que o projeto propõe, já temos tudo feito. Fizemos um processo de pesquisa sobre a dramaturgia da palhaça, partindo de quatro textos consagrados – Hamlet, Antígona, Esperando Godot e A falecida – e tratando de temas como morte, angústia e vazio. E isso tá feito (considerações sobre o que a pesquisa nos trouxe ainda virão); falta agora só a mostra de processo, um encontro com o público interessado (se é que ele existe) em ver o que andamos aprontando. E como é uma mostra de processo, sem o compromisso de espetáculo ou de trabalho acabado, poderíamos simplesmente mostrar o que temos do jeitinho que está e abrir o debate com as pessoas que porventura apareçam – caso isso aconteça.

Mas não. A gente quer dar um mínimo de acabamento às cenas, tornando a coisa agradável para quem a ela assista. Repetir, limpar, testar, mexer. E há ainda objetos de cena que foram improvisados ao longo do processo e que agora serão – assim esperamos – resolvidos. Temos ainda meio mês para esses ajustes e, depois disso, o encontro com o público (que a gente nunca sabe se aparecerá ou não). Portanto, ainda não é o fim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

(Ainda não) é o fim!