A semana 21 por Patricia Galleto
Nos últimos posts, demos conta de
falar do nosso processo de criação a partir de A Falecida, do Nelson Rodrigues,
e de como nos metemos nesse ponto fundo da narrativa em que Gina prepara seu
velório e se percebe só. Um momento melancólico, como disse o Dinho. E, agora,
como sair dessa tumba? Um desafio dramatúrgico.
Considerando que estamos lidando com uma dramaturgia feita com e para uma palhaça, pensamos em resolver a situação com alguma demanda prática que Gina venha a ter. O chamado para a vida é o que aponta o caminho de saída da morte, ao menos temporariamente, visto que da morte ninguém escapa – o irrefutável destino. Isso também porque a figura do palhaço, de modo mais abrangente, não passa por estágios psicológicos e profundamente reflexivos, gradativamente. Ele se deixa afetar pelas emoções e as deixa ir embora, tudo isso revelado e concretizado através de ações. Então, no nosso caso aqui, criamos um estado denso e profundo e vamos logo sair dele por meio de uma nova ação, que criará um novo estado. Dizemos que o palhaço dança as emoções que o atravessam no momento presente, sem se apegar a elas.
Outro ponto que vale a pena
considerar é que o palhaço comumente se move a partir de problemas. Algo dá
errado, falha, ele se embola, ele tenta resolver, fracassa, tenta de novo, encontra
uma saída, até que outro problema surja ou seja criado por ele mesmo. Atrás da
máscara, pensamos: “um problema. Oba!”. Está aí um trampolim para que o palhaço
desenvolva suas ações. Não sei se Dinho concorda comigo, mas penso agora,
enquanto escrevo, que boa parte da dramaturgia para a palhaça seja, portanto,
criar problemas (de modo que cada palhaço e palhaça os resolva à sua maneira).
Como encadear os problemas? – pensaria o/a dramaturgo/a.
Por isso, precisávamos de um novo
“problema” para tirar Gina de lá. Nada mais concreto e factível do que as
necessidades práticas de estar vivo. É preciso comer, é preciso pagar as
contas, é preciso cuidar das coisas – e, em alguma medida, isso também é cuidar
de si. Aqui, é como se Gina desse um beijo na morte e seguisse seu caminho, sem
rejeitá-la, mas deixando-a para depois. Adiar a morte comunica-se, então, com
seguir a vida.
Cenicamente, tiramos Gina desse
buraco a partir de uma lista de tarefas e compromissos que ela encontra por
acaso entre os peitos (como várias outras coisas que ela geralmente tira do
sutiã). Nessa lista, temos itens como: fazer o almoço, molhar a planta, pagar o
aluguel, fazer a revolução e tomar uma cerveja com o amigo (possivelmente
Yorik, da cena de Hamlet!), entre vários outros. A demanda cotidiana faz a
palhaça cancelar suas encomendas para o velório. Quer dizer, agora não. Fica
pra depois.
Uma boa saída de cena, como
geralmente acontece nos números de clown, também é importante para o desfecho
do nosso trabalho. O que surgiu em improvisação com a palhaça foi um saída em
estado atarefado e animado, mas ela retorna para buscar seu remedinho largado
no chão “para o caso de”. Acreditamos ter já a estrutura desta cena pronta.
Agora é afinar e repetir o que já construímos.
Repetição, aliás, será a tônica
dos próximos dias para as demais cenas já criadas. Estamos a caminho de
finalizar o projeto com uma mostra das quatro cenas/números. E ainda há resoluções
práticas a fazer, como verificar os objetos e materiais que usamos em cena e
melhorar a execução técnica de algumas passagens. Há uma lista e um prazo, e a
vida nos chama!
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