A semana 19 por Patricia Galleto
Caixinhas, vidrinhos, frascos, cartelas, spray estão no foco da cena, ao menos nesta primeira parte dela. Antes de falar dos fármacos, contudo, é importante dizer que, nos encontros desta semana, iniciamos o trabalho com a última dramaturgia prevista no projeto: A Falecida, de Nélson Rodrigues. Entre os assuntos abordados na obra original, está a preparação do funeral da personagem principal, que ela mesma realiza com antecedência. Ela inicia esse preparo envolta por uma espécie de hipocondria e por um desejo de um velório cheio de pompa e status.De volta à nossa pesquisa e
criação, Dinho aponta o quanto a obra – assim como o próprio Nélson Rodrigues –
lhe parece, hoje, permeada de preconceitos, ainda que o autor já tenha sido uma
importante influência para sua escrita (mas sobre isso ele mesmo poderá
escrever melhor, caso queira, em outro post). E ficamos pensativos sobre de
onde partir, sobre o que nos pareceria interessante e possível construir a
partir de A Falecida, considerando, é
claro, o universo da palhaça. Decidimos, então, iniciar por uma relação de Gina
com os remédios (algo também muito evidente na nossa sociedade
ultramedicalizada). O pior/melhor é que não foi difícil, para mim, reunir
várias caixas de medicamentos que já utilizo no meu dia a dia ou que estão à
mão facilmente na minha casa.
Como primeiro passo, improvisamos
essa interação da palhaça com os objetos, pensando em uma entrada com eles
(onde estariam? De que forma seriam apresentados? De que maneiras pontuar a
hipocondria?). Depois de alguns ajustes na experimentação, ficamos, por
enquanto, com o roteiro:
- Gina entra com uma bolsa
(pretendemos ter uma mala);
- Ela desfila brevemente pelo
espaço orgulhosa de sua bolsa;
- Aproxima-se de uma mesa no
centro da cena e despeja todos os remédios sobre ela;
- Começa a organizá-los,
explicando somente com as ações para o que servem alguns deles;
- Ao tomar um, dá-se conta,
depois, de que há efeitos colaterais descritos na bula. Sente um dos efeitos, o
que a leva a tomar outro remédio para resolver aquele sintoma. Lê a bula, sente
outro efeito colateral, que a leva a outro remédio, e assim sucessivamente,
passando por alguns deles.
É claro que ainda não pudemos
trabalhar os detalhes – acredito, por exemplo, que a palhaça ainda encontrará
mais brechas de interação com quem assiste e que os movimentos venham a ser
mais precisos na comunicação. Mas o que temos já ganha um corpo e começa a
apontar caminhos possíveis para seguirmos com os próximos passos. A princípio, estamos
pensando em chegar à preparação do velório propriamente – e também desejamos
sublinhar, com isso, a solidão da palhaça ao se dedicar a esses cuidados com
própria morte e com as futuras homenagens a si mesma (vale pontuar aqui, em uma
estrutura de sociedade patriarcal, o papel geralmente atribuído à mulher como
cuidadora das crianças, dos enfermos, dos idosos, dos necessitados, dos
parceiros homens quando adoecem. Há quem cuide dela?). Agora, como fazer essa
passagem de um momento a outro da cena ainda é um mistério pra gente. Aguardamos
ansiosos (e pouco medicados) os próximos capítulos das nossas próximas ideias.
É bom que tenhamos alguma!
Nenhum comentário:
Postar um comentário