19 março 2024

Remédios para todos os males?

A semana 19 por Patricia Galleto

Caixinhas, vidrinhos, frascos, cartelas, spray estão no foco da cena, ao menos nesta primeira parte dela. Antes de falar dos fármacos, contudo, é importante dizer que, nos encontros desta semana, iniciamos o trabalho com a última dramaturgia prevista no projeto: A Falecida, de Nélson Rodrigues. Entre os assuntos abordados na obra original, está a preparação do funeral da personagem principal, que ela mesma realiza com antecedência. Ela inicia esse preparo envolta por uma espécie de hipocondria e por um desejo de um velório cheio de pompa e status.

De volta à nossa pesquisa e criação, Dinho aponta o quanto a obra – assim como o próprio Nélson Rodrigues – lhe parece, hoje, permeada de preconceitos, ainda que o autor já tenha sido uma importante influência para sua escrita (mas sobre isso ele mesmo poderá escrever melhor, caso queira, em outro post). E ficamos pensativos sobre de onde partir, sobre o que nos pareceria interessante e possível construir a partir de A Falecida, considerando, é claro, o universo da palhaça. Decidimos, então, iniciar por uma relação de Gina com os remédios (algo também muito evidente na nossa sociedade ultramedicalizada). O pior/melhor é que não foi difícil, para mim, reunir várias caixas de medicamentos que já utilizo no meu dia a dia ou que estão à mão facilmente na minha casa.

Como primeiro passo, improvisamos essa interação da palhaça com os objetos, pensando em uma entrada com eles (onde estariam? De que forma seriam apresentados? De que maneiras pontuar a hipocondria?). Depois de alguns ajustes na experimentação, ficamos, por enquanto, com o roteiro:

- Gina entra com uma bolsa (pretendemos ter uma mala);

- Ela desfila brevemente pelo espaço orgulhosa de sua bolsa;

- Aproxima-se de uma mesa no centro da cena e despeja todos os remédios sobre ela;

- Começa a organizá-los, explicando somente com as ações para o que servem alguns deles;

- Ao tomar um, dá-se conta, depois, de que há efeitos colaterais descritos na bula. Sente um dos efeitos, o que a leva a tomar outro remédio para resolver aquele sintoma. Lê a bula, sente outro efeito colateral, que a leva a outro remédio, e assim sucessivamente, passando por alguns deles.

Para afinarmos esse primeiro momento da cena, tirei um dia para pensar com mais calma na estrutura que havíamos esboçado e nos detalhes das ações, por exemplo, quais seriam os remédios apresentados durante a organização dos frascos (para quais finalidades), quais seriam os efeitos colaterais trazidos para o número e como Gina demonstraria no corpo esses efeitos colaterais listados. Além disso, como ir de um a outro sem ser de uma forma mecânica, como desfrutar esses estados criados e compartilhá-los com a plateia. Apresentei ao Dinho, que, como sempre, respondeu com novas sugestões e pontuações sobre a passada.

É claro que ainda não pudemos trabalhar os detalhes – acredito, por exemplo, que a palhaça ainda encontrará mais brechas de interação com quem assiste e que os movimentos venham a ser mais precisos na comunicação. Mas o que temos já ganha um corpo e começa a apontar caminhos possíveis para seguirmos com os próximos passos. A princípio, estamos pensando em chegar à preparação do velório propriamente – e também desejamos sublinhar, com isso, a solidão da palhaça ao se dedicar a esses cuidados com própria morte e com as futuras homenagens a si mesma (vale pontuar aqui, em uma estrutura de sociedade patriarcal, o papel geralmente atribuído à mulher como cuidadora das crianças, dos enfermos, dos idosos, dos necessitados, dos parceiros homens quando adoecem. Há quem cuide dela?). Agora, como fazer essa passagem de um momento a outro da cena ainda é um mistério pra gente. Aguardamos ansiosos (e pouco medicados) os próximos capítulos das nossas próximas ideias. É bom que tenhamos alguma!

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(Ainda não) é o fim!